‘Caçador de Marajás’ revisita Collor e o papel da mídia na sua ascensão
20/10/25
By:
Redação
Série da Globoplay expõe contradições do ex-presidente e traz mea-culpa da Globo sobre manipulação do debate com Lula em 1989

A série Caçador de Marajás, disponível desde 16 de outubro na plataforma Globoplay, retoma com rigor histórico e visual a trajetória de Fernando Collor de Mello, da adolescência alagoana, passando pelo governo estadual de Alagoas, a campanha de 1989 e o próprio governo da República, que terminou abruptamente em 1992. Idealizada pela Boutique Filmes e Waking Up Films, a produção reúne depoimentos de ex-presidentes, jornalistas, familiares e pessoas do entorno do ex-governante, em sete episódios.
Ao longo da série, é ressaltado como Collor conquistou projeção nacional ao adotar o discurso anticorrupção e o combate aos “marajás”, termo que, no seu governo em Alagoas, se referia a servidores públicos com altos vencimentos ou regalias exageradas. No entanto, o documentário também aponta que esse discurso foi amplificado por veículos da grande imprensa, que ajudaram a construir sua imagem de “salvador” antes do enfrentamento real com responsabilidades de governo.
A série não oculta que o rótulo de “caçador de marajás” acabou se tornando parte de uma narrativa que escondia fragilidades políticas: crise econômica, inflação galopante, o plano que ficou conhecido como Plano Collor, denúncias de corrupção e o desgaste crescente. Somente em 2023 Collor foi condenado a mais de oito anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. A narrativa da série parece dizer: o discurso era forte, o símbolo eficiente, mas a prática se esfarelou — e o personagem que a mídia ajudou a erguer virou alvo da própria crise que prometera combater.
Um dos capítulos fundamentais para entender o poder midiático que envolveu a campanha de 1989 é a cobertura do segundo turno entre Collor e Luiz Inácio Lula da Silva. É amplamente documentado que a Globo editou o debate de forma que favorecesse Collor — “foram ao ar os melhores momentos de Collor, os piores de Lula, e Collor teve mais tempo de tela”.
Em abril de 2025 a emissora admitiu formalmente que errou nessa edição. Nesse reconhecimento, o editor-chefe declarou que aquele episódio foi “um aprendizado importante” para o jornalismo da casa. O “mea-culpa” da Globo não lida apenas com a edição do debate, mas também, simbolicamente, com o papel da mídia na construção do mito Collor e no ambiente político que permitiu sua ascensão. Como apontam estudos acadêmicos, aquela cobertura foi decisiva para formatar a narrativa de 1989.
Em um momento em que o Brasil revisita figuras políticas dos anos 1980/90 e reconhece o impacto da mídia na formação de lideranças, “Caçador de Marajás” se apresenta como obra de memorização e de reflexão.
– Ela reabre o debate sobre a separação entre imagem política, cobertura midiática e responsabilidade pública.
– Amplia a provocação: como governos que se elevam com discursos de moralização terminam presos à mesma lógica de poder que combatiam?
– E, finalmente, força a mídia — representada no caso pela Globo — a olhar para seus próprios erros, como a edição tendenciosa daquele debate, e refletir sobre o arbítrio da narrativa.
A série serve como alerta: o discurso populista anticorrupção pode esconder práticas contraditórias; a mídia pode ajudar a elevar personagens que depois se revelam insustentáveis; e a responsabilização — seja política ou midiática — muitas vezes acontece com atraso e de modo simbólico.
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