Renascimento interrompido: o ciclo da indústria naval brasileira
11/10/25
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Do impulso do Promef ao desmantelamento pela Lava Jato — trajetória de ascensão, colapso e tentativas de recuperação

Há vinte anos, um programa idealizado no governo Lula inaugurava um novo capítulo para a indústria naval brasileira com o objetivo de impulsionar a produção e a autonomia tecnológica. Com o Programa de Modernização e Expansão da Frota Nacional de Petroleiros (Promef), buscava-se não apenas renovar a frota de navios petroleiros, mas também ativar uma cadeia produtiva nacional, fortalecendo estaleiros, fornecedores e gerando empregos.
A exigência de conteúdo local elevou a participação de insumos e tecnologia brasileiros nas embarcações, numa estratégia de fomento industrial. Nos anos que se seguiram, o Promef demonstrou resultados concretos: a indústria naval, antes em retração, viu um revival impressionante. O Brasil recuperou capacidade construtiva, investiu em estaleiros, firmou contratos expressivos e criou novos polos navais.
A carteira de encomendas cresceu de forma consistente, o emprego no setor disparou e o país reconquistou presença entre os grandes construtores navais globais. Essa renovação, porém, enfrentaria desafios estruturais antigos: dependência de crédito público, disputas por conteúdo local e fragilidade diante de crises políticas mais amplas.
A virada dramática ocorreu com a Operação Lava Jato. A partir de 2014, a Petrobrás teve seus contratos interrompidos, linhas de crédito essenciais foram bloqueadas, e muitos estaleiros — cujas controladoras tinham ligações com empresas investigadas — ficaram isolados.
Sem encomendas federais e sem garantias de financiamento, o setor entrou em colapso. A partir de 2016, cortes regulatórios foram promovidos, a obrigatoriedade de conteúdo local foi reduzida e políticas de estímulo foram abandonadas. Em poucos anos, mais de 300 mil empregos foram perdidos e a produção retrocedeu a patamares da década de 1990.
No bojo dessa trajetória, cabe destacar a dimensão simbólica do setor naval para o Brasil: além de oferecer substrato para soberania logística e autonomia energética, a construção naval articula segmentos como siderurgia, metalurgia e engenharia pesada. Dessa forma, seu desenvolvimento impulsiona efeitos multiplicadores no restante da economia.
Nas décadas anteriores à crise, o país até mesmo ultrapassou os Estados Unidos em número de encomendas, ocupando posição de destaque no cenário naval mundial. Entretanto, esse renascimento dependia fortemente de uma demanda estatal e de políticas estruturadas de financiamento. Sem elas, o setor facilmente sucumbe às pressões externas e à competição global. A Lava Jato agiu como gatilho de uma evaporação de incentivos e parcerias. Empresas que atuavam nos estaleiros, já fragilizadas, sofreram com o congelamento de contratos, retração de recursos e escassez de crédito.
A Petrobrás, que havia sido o motor da retomada, se viu obrigada a reduzir drasticamente seus investimentos, paralisando obras e liquidando ativos. O processo político que culminou no impeachment de Dilma Rousseff acelerou o desmonte. Sob a nova gestão, políticas de fomento foram abandonadas e o caráter estratégico da indústria naval deixou de ser prioridade. A Lei 13.365/2016, por exemplo, tornou facultativa a exigência de conteúdo local e facilitou a entrada de petroleiras estrangeiras nos leilões, favorecendo estaleiros estrangeiros. Com isso, a perda de escala e de demanda nacional levou muitos empreendimentos à falência.
O panorama pós-crise revela estaleiros inativos, plataformas paradas, canteiros ociosos e um colapso produtivo que recua décadas. O Brasil, que chegara a figurar como o sexto maior complexo naval do mundo, volta a importar embarcações e processos que antes era capaz de desenvolver internamente. A capacidade tecnológica e de engenharia foi esvaziada, e muitos fornecedores foram deixados para trás.
Hoje, o governo Lula tenta desenhar uma reversão. Em 2025, foi anunciado um pacote de R$ 612 milhões para construção de 80 embarcações, além da reativação de estaleiros abandonados. Há expectativa de atrair até R$ 23 bilhões em investimentos e gerar mais de 40 mil empregos por meio de políticas de fomento à produção naval nacional. Mas isso ocorre num cenário fragilizado por décadas de desinvestimento e contrarreformas.
Para muitos analistas, a volta ao protagonismo dependerá da recuperação de uma política industrial sustentada, resiliência institucional frente a crises políticas e garantia de demanda firme para estaleiros. Há ainda a necessidade de reconectar o setor à cadeia de fornecedores nacionais, investir em inovação e garantir estabilidade regulatória. Somente assim será possível romper com o padrão cíclico que transformou em pragas os momentos de ruptura e estagnação estrutural.
O caso do Promef reflete, em resumo, a fragilidade de uma indústria dependente de decisões políticas, crédito público e estabilidade institucional. Seu ciclo — de renascimento ao colapso — espelha dilemas profundos da economia brasileira: como promover desenvolvimento em ambientes voláteis, como compatibilizar soberania tecnológica com gestão econômica, e como evitar que conquistas estruturais se dissolvam frente a crises políticas.
A reviravolta anunciada hoje carrega, portanto, um desafio histórico: reerguer uma indústria que renasceu com ambição, mas que tombou ao som das rupturas políticas, numa narrativa que redefine não apenas a naval, mas a própria capacidade de construção nacional.
Fonte: 082 Notícias
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