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3 de julho: relembrando João Saldanha

  • Foto do escritor: Ivan Alves Filho
    Ivan Alves Filho
  • 3 de jul.
  • 4 min de leitura
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Nascido em Alegrete, no Rio Grande do Sul, em 1917 - ano da Revolução Russa - e morto em Roma, em 1990 - em plena Copa do Mundo - , João Saldanha foi um homem politicamente combativo e extremamente respeitado em sua condição de jornalista, radialista e escritor.

     João Saldanha aderiu ao Partido Comunista Brasileiro ainda no Estado Novo, no início dos anos 40, muito provavelmente, sendo um dos responsáveis, na clandestinidade, pela Juventude Comunista. Isso, no Rio de Janeiro,então capital da República e cidade para a qual se mudou ainda na adolescência. Após a anistia política e a redemocratização do país, em 1945, no fim da ditadura Vargas, Saldanha assumiu a secretaria geral da Juventude Comunista, trabalhando em estreita ligação com Apolônio de Carvalho, Marcos Jaimovitch, Zuleika Alambert e outras lideranças do movimento estudantil e juvenil do Partido. Desde essa fase, ele já cuidava de arregimentar jovens para o PCB com base na organização de grupos esportivos, sobretudo equipes de futebol. Para Saldanha, o esporte possuía uma carga agregadora tremenda.

     Conforme testemunho do líder camponês comunista Hilário Pinho à série documental Brasileiros e Militantes, uma iniciativa da Fundação Astrojildo Pereira, João Saldanha participou das lutas de autodefesa camponesa de Porecatu, no norte do Paraná, entre o final da década de 40 e o início da década de 50. Nessa região, por 22 meses ininterruptos, os camponeses em armas, com o auxílio do PCB, forçaram as autoridades governamentais do Paraná a negociar a implementação de uma ampla política de distribuição de terras, a qual resultou na primeira luta vitoriosa pela reforma agrária no Brasil. João Saldanha dirigia então, com outros companheiros, o Comitê Regional do Partido no estado do Paraná. Dessa luta também participaram líderes respeitados do PCB, como Agliberto Vieira de Azevedo e Gregório Bezerra, ambos oriundos do levante militar-aliancista de 1935, mais precisamente no Rio de Janeiro e no Recife.

     Com o recrudescimento da repressão aos comunistas no governo Dutra (1946-1950), que sucedera àquele de Getúlio Vargas, João Saldanha chegou a ser baleado nos pulmões, no Rio de Janeiro. Conseguiu fugir de forma espetacular de um hospital carioca, pulando pela janela do quarto em que se encontrava convalescendo, antes que a polícia política o prendesse. Isso, apenas 24 horas após a cirurgia para a extração da bala...
     Eleito em seguida para o Comitê Central do PCB, João Saldanha pediu afastamento do cargo no IV Congresso, realizado clandestinamente em 1954, por divergir da forma como determinados dirigentes estavam conduzindo a política partidária. Ao que tudo indica, sua divergência tinha que ver com o mandonismo já presente no Partido nessa ocasião. Eram os duros tempos dos desvios stalinistas, diga-se de passagem. 

      No entanto, Saldanha não deixaria de militar no Partido. Apenas passou a dividir mais seu tempo entre o PCB  e o futebol, outra grande paixão sua. Jogador e depois técnico do Botafogo, no ano de 1957, João dedicou-se ainda, com extraordinário afinco e sucesso, ao jornalismo esportivo, como comentarista de rádio e cronista do Jornal do Brasil, então o órgão de imprensa de maior prestígio no país. Seus comentários, que começavam invariavelmente pelo bordão "Meus amigos..." marcaram época no rádio brasileiro. Pode-se dizer que poucos jornalistas estiveram em tão profunda sintonia com a alma popular como Saldanha. Aquela era uma época em que o Brasil iniciava uma espetacular arrancada para a conquista do seu primeiro título mundial de futebol, o que se daria na Suécia, no ano seguinte, em 1958. Os bons tempos de Pelé, Garrincha, Didi, Dida, Gilmar e Nilton Santos.

     E, nesse mesmo ano de 1958, o PCB também dava início a uma política transformadora, materializada na Declaração de Março, que propunha a superação do capitalismo no terreno da própria democracia e não mais pela via armada, conforme ditava o Manifesto de Agosto de 1950, corroborado ainda pelas propostas do IV Congresso de 1954. João Saldanha se alinhava entre aqueles que aceitaram as teses democráticas da Declaração de Março, apesar de não ter mais responsabilidades na direção partidária.

     Durante os governos JK (1956-1960) e Jango (1961-1964), sobretudo neste último, bem mais conturbado, Saldanha atuou sempre no sentido de aplicar a linha política de massas do PCB. Em 1964, opôs-se resolutamente ao golpe militar, integrando-se à ampla luta de resistência que o Partido, desde a clandestinidade, começava a coordenar com o propósito de isolar o novo regime. E, paralelamente, prosseguia com seu trabalho profissional, comentando jogos, escrevendo crônicas e livros. Temperamento altivo, por vezes até mesmo "estourado", como se diz, Saldanha era conhecido pela população como João sem Medo.

     Em 1969, em plena vigência do Ato Institucional n.5, João Saldanha passou a dirigir a Seleção Brasileira, da qual se afastaria no ano seguinte, por imposição da ditadura militar: ele teria declarado na ocasião "que o presidente escala o seu ministério; eu escalo a minha equipe..." Foi o suficiente para seu afastamento da Seleção. Mas o Brasil ganhou a Copa de 70 com as chamadas "feras do Saldanha". Isso, ninguém retiraria dele.

     Durante a ditadura militar, mesmo em seus períodos mais terríveis, João Saldanha sempre colaborou com o PCB, inclusive financeiramente, ajudando vários companheiros perseguidos, em dificuldades. Melhor: doou ao Partido boa parte de uma herança que recebeu dos pais. Seu desprendimento assombrava os amigos mais próximos, que conheciam sua generosidade.

     Com a volta de Luiz Carlos Prestes do exílio, em 1979, Saldanha cedeu seu apartamento ao líder comunista, secretário geral do PCB desde a Conferência da Mantiqueira, em 1943. Apesar de sua ligação pessoal com Prestes, João Saldanha nunca se afastou do Partido, concorrendo, inclusive, à Prefeitura do Rio de Janeiro, em 1985, ao lado de outra figura muito respeitada da resistência democrática, o advogado Marcello Cerqueira.

     João Saldanha era um extraordinário contador de histórias. Costumava dizer que havia no céu três bilhões de estrelas e que se alguém porventura duvidasse, que contasse, pois ele o fizera...Homem culto - falava diversos idiomas, inclusive -, Saldanha era, acima de tudo, amigo dos seus amigos. Foram seus companheiros de jornada Oscar Niemeyer e Nelson Werneck Sodré, entre outras personalidades da vida brasileira. Querido por todos, um verdadeiro mito nacional, João Saldanha foi o que se poderia chamar de um cidadão exemplar. 

Ivan Alves Filho, historiador.

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