Autocandidato ao Nobel, Trump protagoniza o fim da guerra em Gaza
Luiz Carlos Azedo
há 14 horas
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Chefe do Hamas comemora, enquanto Netanyahu ainda negocia o apoio do seu governo ao acordo de paz entre Israel e Hamas, mediado pelos Estados Unidos
A foto de dois meninos de mãos dadas, um com a camisa azul de Israel e seu quipá, e outro com a bandeira da Palestina e seu lenço quadriculado, que circula nas redes sociais desde o começo da guerra em Gaza, provocada por um ataque terrorista do Hamas, passou a fazer um sentido prático. Mas ainda não será nada fácil ver isso acontecer, com as sequelas de uma guerra que ceifou as vidas de milhares de crianças. Sim, é uma mensagem utópica: a convivência fraterna entre palestinos e israelenses. Entretanto, o processo civilizatório não existiria sem as utopias.
A existência do Estado palestino é absurdamente distópica depois da guerra, com Gaza em escombros. O Hamas sobreviveu, apesar das duras perdas nos constantes bombardeios que sofreu, inclusive depois de anunciado o cessar-fogo. Mas o acordo se deve à resiliência de povo palestino e às pressões internacionais, sem falar nos constantes protestos de israelenses, que queriam o fim da guerra para trazer para casa os reféns.
Na guerra da Faixa de Gaza, ambos os lados têm lugar de fala, com um rosário de argumentos para ir à guerra. Entretanto, nada justifica o ataque terrorista do Hamas ao território de Israel nem legitima o massacre de civis palestinos, principalmente crianças, mulheres e idosos pelo Exército israelense. Era uma espécie de Lei de Talião: olho por olho, dente por dente. Havia um tit for tat na relação de Israel com seus inimigos na região. A expressão vem do holandês dit vor dat (“este por esse”). Netanyahu alternava retaliação ao Hamas, sempre que havia uma agressão, e cooperação tácita, após o cessar-fogo.
Essa estratégia enfraquecia a Autoridade Palestina, inviabilizava a criação de um Estado palestino independente e possibilitava a colonização nos territórios ocupados por Israel na Cisjordânia. Entretanto, saiu do controle. O Hamas se fortaleceu e promoveu um violento ataque terrorista, que pegou de surpresa o governo de Netanyahu. O que aconteceu depois nós assistimos em tempo real, dia e noite, na Faixa de Gaza.
O anúncio do cessar-fogo em Gaza, mediado por Donald Trump, é simultaneamente o desfecho de uma guerra e mais o ponto de inflexão de uma disputa política global. O presidente norte-americano, autoproclamado candidato ao Nobel da Paz, age num contexto em que a diplomacia foi substituída pela performance. Sua pressa em anunciar o acordo, antes mesmo da votação no gabinete israelense, tem cálculo eleitoral e simbólico: converter a tragédia humanitária em capital político.
Resiliência e esperança
O Hamas promete devolver os corpos e os reféns; Israel, por sua vez, reduzirá a ocupação de 75% para 57% da Faixa de Gaza de imediato. A promessa de cessar-fogo, contudo, repousa sobre areia movediça, as mesmas que soterraram acordos anteriores. Netanyahu, acuado internamente e pressionado pela extrema-direita, tenta transformar o acordo em “vitória moral”, mantendo sua narrativa de força. A sobrevivência de seu governo depende de conciliar a exigência militar de desarmar o Hamas com a necessidade de apaziguar aliados ultranacionalistas.
Por outro lado, o Hamas aproveita o momento para reivindicar legitimidade política, apostando que a libertação dos reféns e a suspensão dos bombardeios restituam-lhe influência no cenário palestino, onde a Autoridade Nacional está enfraquecida. A existência de uma paz duradoura será um longo caminho, somente possível se houver o reconhecimento do Estado palestino por Israel. Para dar certo, será importante a presença efetiva da Organização das Nações Unidas (ONU).
Trump emerge como o grande protagonista. Regeu negociações no Egito, no Catar e na Turquia, convertendo o poder de coerção norte-americano em instrumento de diplomacia-relâmpago. Sob ameaça de sanções e isolamento, Netanyahu cedeu, inclusive pedindo desculpas ao emir do Catar após o bombardeio em Doha.
Ao antecipar o anúncio do acordo às vésperas da divulgação do Nobel, Trump associa seu nome à paz e desloca a narrativa global de incendiário populista a mediador de crises. Netanyahu espera que a retórica de “vitória diplomática” o mantenha no poder. Já o Hamas busca sobreviver como ator político legítimo. Enquanto isso, a imagem dos meninos israelense e palestino de mãos dadas continua a circular nas redes como lembrança de uma utopia civilizatória. A paz, no Oriente Médio, permanece um território imaginado, sustentado mais pela esperança dos povos do que pela boa-fé dos líderes.
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