No período em que o ex-presidente Itamar Franco buscou disputar a indicação para a Presidência da República, em 2002, eu publiquei um artigo, relativo à presença de Minas Gerais na vida brasileira, em momento de crise aguda das nossas instituições democráticas. Itamar Franco leu o artigo e, por intermédio de um assessor, mandou me parabenizar. Eu já havia tido alguns contatos com ele quando, poucos meses antes, já ocupando o governo de Minas Gerais, Itamar me honrou prefaciando o meu livro Velho Chico mineiro, um relato de viagem ao rio São Francisco.
Publicado no jornal carioca Terceiro Tempo, o texto fazia menção às marcas deixadas por Minas Gerais desde a chamada política do café com leite, ou o pacto de alternância de poder com São Paulo na República Velha. Depois, destacava o fato de Getúlio Vargas ter recorrido a um civil mineiro, Negrão de Lima, para convencer os presidentes das Províncias, como eram conhecidos então os governadores, a apoiar o novo regime. Mais adiante, já apontando para uma superação do Estado Novo, surgiu o Manifesto aos Mineiros, que teria a participação, inclusive, de um futuro dirigente do Comitê Central do PCB, Orlando Bonfim, assassinado, sob tortura, pela ditadura militar na década de 70. Esse manifesto liberal data de 1943 e esteve na base da formação da União Democrática Nacional (UDN). Em 1945, na saída do Estado Novo, os mineiros lançaram Cristiano Machado, que teve um papel apagado nas eleições presidenciais, marcando, contudo, o desejo de Minas Gerais de estar presente na cena política nacional. Após a eleição vitoriosa de Juscelino Kubitschek, em 1955, os golpistas tentaram impedir a sua posse: um militar legalista mineiro, Marechal Teixeira Lott, comandante das Forças Armadas, se insurgiu contra eles, garantindo a investidura de JK. Em outro momento crítico, o mineiro Tancredo Neves, então ministro da Justiça de Getúlio Vargas, costurou, com apoio do PCB clandestino e de Luiz Carlos Prestes, a chapa JK-Jango (PSD-PTB), sinalizando uma saída após o suicídio do presidente Vargas. No bojo da renúncia de Jânio Quadros, com apenas sete meses na Presidência, o mesmo Tancredo Neves assumiu como Primeiro-Ministro, em regime parlamentarista, desanuviando, naquele momento, as ameaças golpistas por parte da caserna. Com o advento de 64, outra crise seríssima, e mais uma vez Minas Gerais teria um papel importante: José Maria Alckmin seria o vice de Castelo Branco, após um acordo com o PSD mineiro, chefiado por Juscelino Kubitschek. Aliás, uma das figuras centrais de 64, pouco lembrada, foi Juscelino Kubistchek. O apoio do PSD, com exceção de uma liderança expressiva como Tancredo Neves, foi fundamental: só as articulações que passavam pela UDN não bastavam. Depois, outro civil mineiro, o advogado Pedro Aleixo, seria o vice de Costa e Silva, impedido de tomar posse pela Junta Militar de 1969. O governo Médici, indicado por essa mesma Junta, foi pau puro, como se diz, dispensando as alianças com os mineiros. Mas estes retornaram ao poder com Aureliano Chaves, vice de João Figueiredo, em 1979. Aureliano Chaves, inclusive, trabalharia com afinco pela a transição democrática, ajudando a implodir o regime. E, na coordenação da frente democrática já se encontrava novamente a figura de Tancredo Neves, eleito presidente pelo Colégio eleitoral, em 1984. Oito anos depois, um presidente da República sofreu, pela primeira vez, um impedimento constitucional. O mineiro Itamar Franco assumiu a presidência, dando início ao governo mais reformador do país em toda sua História.
O centro geográfico do Brasil adquire um papel protagonista na política. E isso já estava esboçado pela Conjuração Mineira, que possibilitou, pela primeira vez, a formação de um instinto de brasilidade, ao apontar para a formação de um mercado interno entre nós, interligando as mais diferentes regiões da Colônia.
Mais do que uma região, Minas Gerais é um centro de gravidade.
Comments