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A casa do Tio Levindo

  • Foto do escritor: Márcia Heliane Gomes
    Márcia Heliane Gomes
  • 6 de abr. de 2024
  • 2 min de leitura


O sol já se escondia na Serra de São José. As sombras do entardecer brincavam comigo de ciranda. É a hora do dia que mais me traz alegria. São luzes de todas as cores colorindo meus pensamentos. Já morava na casa nova, na Praça das Mercês. Uma casa pequena para uma família grande. A horta era enorme. Ia até as imediações da Capela de São Francisco de Paula. Lá um pomar com laranja, mexerica, limão, manga, abacate, muita banana. No chão, couve – e muitas outras verduras – cebolinha, abóbora, mandioca, salsinha, tomate, feijão. Ah, também havia galinhas e porcos. Eu era apenas uma criança simples, daquelas que gostava das tardes e de regar a horta.
 
E gostava também de fugir pela cerca que separava a casa da rua lateral e ia dar lá na Rua da Praia. Sempre às tardes. Ali morava um tio-avô, Levindo. Um homem sóbrio, tímido, falava muito pouco, quase triste. Mas eu sentia sua felicidade com  a minha chegada. Sempre me perguntava: –‘Sua mãe sabe que você está aqui?’ E eu: – ‘Não, tio. Eu fugi’. Ele gostava dessa minha ‘sapequice’ e me deixava ficar. Ali, ele morava com seus filhos e sua esposa que se escondia dentro de um quarto o tempo todo. Não me lembro do seu rosto. Nunca o vi, na verdade. Minha mãe dizia que ela sofria de problemas mentais decorrentes de sequelas de um parto. Eu não me importava com isso. Queria muito conhecê-la, conversar com ela. Não entendia muito bem. Mas nunca tive o prazer de conversar com aquela mulher. Quanto mistério…
 
Mas o que me encantava era aquela casa. Toda avarandada com detalhes desenhados no teto. Atrás, no quintal, passava um pequeno córrego de águas limpas onde eu lavava minhas mãos depois de brincar nos tanques de areia que eram limpadas bem ali, em plena cidade. Lembro-me de cada cômodo, do mobiliário, do barulho dos meus pés nas tábuas no chão, dos paninhos de crochê que cobriam quase tudo, da fumaça da chaminé do fogão a lenha. Era uma casa ampla, de muitos cômodos, aconchegante.
 
Tinha cheiro de laranja. Meu tio gostava muito de laranja.  Minha tristeza foi saber que esta casa, meu refúgio de quase todas as minhas tardes, foi demolida e no local foi construída a rodoviária da cidade.
 
Nada restou daquele encantamento. Nem o riacho, nem os tanques de areia, nem os cômodos da casa, nem a fumaça da chaminé, nem os desenhos do teto, nem as varandas, nem o cheiro de laranja... Meu tio foi embora. Sua esposa também. E com ela, seu mistério.
 
Nem as estrelas do céu, nem o raiar do dia, nem o entardecer da noite, nada será capaz de me satisfazer tanto como as fugas para aquela casa.
 


Em todo entardecer jogo ao vento as alegrias vividas naquele lugar, as histórias que vivi ali, as ‘sapequices’ que fiz. E espero que ele sopre aos ouvidos daqueles que também amam o entardecer durante a noite e que assim aqueçam seus corações.
 
*Crônica extraída do livro Uma menina de Minas
 
Márcia Heliane Gomes
Escritora e editora
Responsável pela Aquarius Produções Culturais

 

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