OS DADOS MIRABOLANTES DO GOVERNO E A PROJEÇÃO BOLSONARISTA EM TRUMP. A POLARIZAÇÃO SE APROVEITA DA FANTASIA DO BRASILEIRO
Bruno Soller
2 de mar.
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O país do futuro nunca chegou. Por mais voltas e voltas que tenha se dado, o Brasil segue sendo um estado com uma população pobre, apesar de uma economia robusta. A ideia do repartir o bolo depois que ele crescesse, anunciada pelo ex-ministro do governo militar Delfim Netto, caiu no esquecimento. O bolo assou e parece ter queimado. Quase 1/3 da população brasileira vive com menos de R$21,25 por dia, abaixo da famosa linha da pobreza da ONU, segundo o IPEA. De acordo com o Critério Brasil, da ABEP, 54,3% do povo pertence às classes C2, D e E, as mais baixas da medição, e esses números são ainda mais desesperadores quando se enxerga com particularidade algumas regiões do país, como o Nordeste, que concentra 72% dos seus habitantes nesse nicho social.
Enquanto 100 milhões de compatriotas não possuem rede de esgoto e mais 35 milhões não têm acesso a água potável, dados do Trata Brasil, o brasileiro segue sendo inundado por discussões fantasiosas de uma polarização política que não movimenta a sua realidade, mas apenas projeta desejos e respostas às frustrações individuais. A cada pouco, uma nova novela é acompanhada pela população, em que o enredo e o desfecho quase nunca trazem qualquer refresco para o dia de amanhã. A pouca mobilidade, vista principalmente nos últimos 10 anos, uma década absolutamente perdida do ponto de vista econômico, talvez seja a culpada principal pelo aguçamento dessa fantasia. Já que nada muda, pelo menos, expressa-se os desejos reprimidos.
A novela da vez é a relação Alexandre de Moraes com os Estados Unidos. Brasileiros, em sua maioria apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, estão em ecstasy com a decisão de uma comissão da Câmara dos Deputados norte-americana em barrar a entrada do ministro do Supremo Tribunal Federal no país. A resposta do ministro foi apoteótica, lembrando que o Brasil não é colônia desde 1822. Faltou ao ministro lembrar que os Estados Unidos também foram colônia, perdendo um pouco o sentido de sua fala. O discurso de apoio irrestrito às liberdades individuais, feitas por esse bloco de pensamento, esbarra em uma série de contradições, desde as mais simples até as mais robustas. São esses guardiões da liberdade, que primeiro condenam a descriminalização do aborto ou até mesmo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, pautas que tratam diretamente sobre liberdade de escolha. Outros tantos, pediram intervenção militar, quando o país escolheu caminhar para uma direção diferente do que os seus pensamentos absolutistas desejavam, a troco de uma narrativa esquizofrênica de manipulação das urnas, em que seus candidatos perdem em um nível, mas vencem em outros – fazendo o governo de São Paulo e maior bancada do Senado Federal, por exemplo.
Do outro lado, o “governo do amor” divulga com galhardia os índices econômicos maravilhosos, que só são vistos por ele. Índice de desemprego baixíssimo, inflação controlada e outras tantas pantominas, que deveriam enrubescer a face de quem as propaga. A realidade nua e crua, mostra que 42% dos brasileiros trabalham na informalidade, os preços dos alimentos dispararam e consomem mais de ¼ da renda das famílias, altamente endividadas, não sobrando absolutamente nada para terem um mínimo de lazer e garantir a dignidade da vida. Os dados mágicos do governo são repetidos por ideólogos, que buscam justificativas das mais variadas com um único objetivo: salvar a pele do ídolo-mor, no caso, o presidente Lula. A culpa é sempre das estrelas.
O Brasil é o segundo país do mundo que mais consome telenovelas, somos também o terceiro país do mundo que mais visita a Disney e segundo a OCDE, somos o povo que menos consegue distinguir verdade de mentira. O país do carnaval, que nada mais é do que a expressão máxima da alegoria, da tentativa de fugir da realidade e se esbaldar em uma festa em que nada mais importa, sofre com a falta de realismo sobre sua condição concreta. As lamúrias pelas ruas sempre caem numa máxima de que “o Brasil é tão rico...” e isso gera uma ideia de que é simplesmente mudar uma chavinha, que tudo pode ficar bom, como num passe de mágica.
Esse polianismo brasileiro, que tem raízes históricas desde o sebastianismo português, na busca pelo caudilho que resolverá todos os problemas, até na formação afro-brasileira que trouxe elementos da magia, como se as oferendas pudessem movimentar as vidas alheias e o curandeirismo indígena, onde todas as respostas para males estão na natureza, faz com que alguns axiomas sejam veredictos expressos e tudo pode se consertar, sem ao menos se fazer o real enfrentamento às chagas que nos açoitam dia e noite.
Não encontramos solução para melhorar nossa infraestrutura de escoamento de produção e tornar nossos produtos mais competitivos no mercado internacional. Seguimos dependentes de uma malha ferroviária problemática e cara. Mesmo com o SUS, não temos nem sequer cobertura de saúde para todos os nossos habitantes. Nossos alunos públicos vivem um abismo de ensino quando comparados aos que tem acesso ao ensino particular. Favelas recheiam nossas cidades, sem condições de moradia para os que lá habitam. A insegurança faz com que os telejornais divulguem banhos de sangue diários e casos dos mais escabrosos possíveis. Mas, nada disso parece mais fazer sentido para um povo que se acostumou a viver assim. Sonha-se com o que não tem e vive numa penúria, como se a qualquer momento, com uma varinha de condão, tudo pudesse mudar.
Normalmente, as pessoas ficam em dúvida ou se apoiam numa escolha entre lados que possam lhes oferecer alguma vantagem. A lógica da concorrência é sempre essa, tentar fisgar o consumidor por algum benefício que lhe seja caro. A polarização brasileira, no entanto, faz um jogo de disputa negativo. Não há lado melhor, há o menos pior. Um tenta imputar tudo de ruim ao outro e por muitas vezes têm razão e sentido os apontamentos feitos nessa guerra, todavia, o que carece de qualquer senso é a falta de apresentação de algo positivo que um lado possa fazer pelo país. Não há discussão sobre projeto ou sobre o que se pensa para o presente e o futuro.
A dicotomia do pensamento do brasileiro é um caso à parte para ser estudado, já que mesmo fantasiando a vida, com projeções em lugares que não são alcançáveis para seus cotidianos, o brasileiro não acredita nas promessas políticas. Essa situação cria esse contexto de debates superficiais e que pelo menos movimenta os desejos. A coragem dos políticos, o jeito de encarar situações, as brigas e os dogmas ficam em plano máximo, enquanto, o conhecimento, o pensamento e a razão caem por terra. O fato é que a realidade é tão dura, que a encarar é muito penoso. Sair da realidade e buscar o palco carnavalesco da política acaba sendo a escolha da maioria da população, que depois de tantas frustrações parece já não mais se importar com o que vem na quarta-feira de cinzas.
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